Há chances inteligentes de diminuir o volume de moradores de rua
Por Marcelo Silveira Dalle Teze
Muitas vezes o que incomoda a
sociedade é rapidamente escondido para que não sejam expostas deficiências
geradas por um sistema que é, historicamente, excludente e seletivo em suas
informações, gerando falsas percepções conjunturais. Aí entra, também, o caso
dos moradores de rua. Todos desejam cidades belas, perfeitas e desprovidas de
pobreza e gente em vulnerabilidade. Mas o fato é que, mesmo em cidades que têm
verdadeiros “apagões” de mão de obra qualificada para trabalho há pessoas que,
por uma razão ou outra, não têm teto, família e muito menos perspectivas de
mudança de vida. É o que também ocorre em Pato Branco, cidade que convive com
cerca de 30 moradores de rua que são, genuinamente, da nossa terra. Sem contar
outros tantos que chegam de diversos pontos do país por enfrentarem o desafio
de serem “convidados” a mudar de endereço e acreditam encontrar, aqui,
qualidade de vida.
O assunto é
polêmico e rende, em todos os lugares, a exemplo do cenário nacional, sacadas
de cunho eleitoreiro em que historicamente muito se fala e pouco se transforma.
E há ainda políticos, especialmente prefeitos, que intensificam o problema para
se posicionar como solução de algo que nunca foi resolvido, pela frente
partidária que for, numa visão simplista
do contexto que é complexo, desafiador e com resultados muitas vezes ingratos. Afinal
vamos enfrentar pessoas marcadas pelo uso de drogas, infelizmente, cada vez
mais baratas e acessíveis; pela desestruturação familiar; pela exclusão, por
ampla variedade de fatores; por limitações no acesso do conhecimento e até
mesmo por problemas de enfermidade mental e outras limitações. E há, ainda,
moradores de rua que optam pelo tipo de vida por entenderem que fazem o que
querem, ganham o que precisam e são felizes assim, sendo uma opção, como
qualquer um pode ter a sua, num mundo teoricamente livre.
Infelizmente
estamos num país de radicalismo, cheio de fanatismo bipolarizado, em que
aqueles que não são nem um e nem outro, não aguentam mais tanta ladainha e
posturas populistas superficialistas que não chegam a raiz dos problemas. Aparecem
até mesmo políticos, hipervalorizados na mídia e pelo fanatismo míope, mobilizando
polícia e tomando atitudes até agressivas de direcionamento de moradores para
fora de seus respectivos territórios, tirando, inclusive, a cidadania de quem,
pelos mais diversos motivos que devem ser observados, é desafortunado e, por
estar na rua, enfrenta a desumanidade.
Indo direto
ao ponto. Se houver um pacto verdadeiro de solução para o problema, Poder
Público e Sociedade Civil Organizada de Pato Branco deveriam, juntos, definir
caminhos a tomar para atacar os problemas pela raiz. Intensificar a prevenção
ao consumo de drogas e abordar estas pessoas migrantes urbanas perguntando, uma
a uma: o que querem da vida? As expectativas podem ser variadas: trabalho,
saúde, conhecimento, tratamento de saúde, moradia, a alimentação ou mesmo
continuar como está. Não dá para perceber, nos revolucionários das redes sociais e em
políticos populistas, alternativas mais efetivas no atendimento do que tais
moradores precisam e querem. De repente é possível, sim, criar uma verdadeira
transformação na vida deles.
Há umas três
décadas, em outra cidade, fui abordado por um senhor embriagado, que vendia
flores. Ele morava num mato e lá plantava as flores que vendia. O nome dele era
Nicanor. Fui conhecer a fundo a realidade dele. Tinha família, se separou pela
bebida e acabou colapsando emocionalmente. Na mata perguntei: - O que o senhor
precisa para sair desta vida, já que viveu estruturado e está hoje numa casinha
de papelão? Ele: - preciso parar de
beber. Perguntei: - O senhor quer isso mesmo? Resposta dele: - Quero. Como
jornalista fiz uma Campanha no Jornal Diário da Manhã, e o seu Nicanor ingressou
no AA – Alcoólicos Anônimos e conseguimos roupas, emprego, uma moradia
provisória com o apoio do clero e ele mudou de vida. Na última vez que o vi era
capataz de uma fazenda, com carro, nova família e feliz, tendo uma realidade
transformada.
Quanta gente
que está aí nas ruas e pode, com uma chance estruturada, mudar a vida? Muita!
Mas precisam de estrutura de apoio e gente disposta a se afetar menos e
colaborar mais, pois o problema é de todos e seu também. Vamos continuar,
hipocritamente, escondendo a pobreza? Vamos continuar, hipocritamente,
atropelando pobres para outros lugares? Vamos continuar, hipocritamente, usar a
miséria alheia como palco político partidário? Esperamos mais de nossos líderes
e de quem pode, de fato, fazer diferença e ocupa funções representativas:
começando pelas atitudes que, como vivenciei com seu Nicanor, integraram
Sociedade Civil e Poder Público.
Ação Social
e entidades de acolhimento fazem o que podem, mas a solução é mais complexa e
ampla, demandando uma rede integrada de esforços no adequado encaminhamento transformador
desta gente que, na imensa maioria, não gostaria de estar onde está.
Ações
transformadoras começam a surgir: a Missão SOS Vida vem começando uma fase de
estruturação do Segundo Passo, um processo de acompanhamento na reinclusão de acolhidos
na sociedade, precisando de apoio para evoluir neste sentido. O município de
Criciúma está com uma postura humana e integrada, diria, inclusiva, inclusive com apoio das organizações de Segurança. Pode ser um
ponto de partida para estudos, exemplo e transformação local.
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